quinta-feira, 5 de maio de 2011

SÍNDROME DA MORTE SÚBITA

Aristides Schier da Cruz

Presidente do Comitê Estadual de Prevenção da Mortalidade Infantil (CEPMI)
Professor Adjunto da Disciplina de Pediatria da Faculdade Evangélica do Paraná.

            A síndrome da morte súbita do lactente (SMSL) é bastante divulgada em todo o mundo e justificadamente muito temida (CID 10 – síndrome da morte súbita na infância; sinônimo – morte do berço). Nos países desenvolvidos houve grande divulgação a seu respeito nos últimos 12 anos, a partir da surpreendente descoberta de que os lactentes abaixo de 6 meses que dormem em posição prona (de barriga para baixo) possuem chance 3 a 9 vezes maior de SMSL do que os que dormem em posição supina (de barriga para cima) (1). Os países desenvolvidos, na América do Norte, Europa, Ásia e Oceania, realizaram muitas pesquisas, as quais confirmaram esta observação. Esta foi uma preocupação grande especialmente para os países desenvolvidos, onde muitas campanhas antigas haviam doutrinado as mães a colocar seus bebês para dormir em posição prona.
            Há 10 anos foram realizadas naqueles países grandes campanhas de saúde pública, orientando todas as mães a colocar os lactentes para dormir em posição supina. O impacto foi maravilhoso, pois a maioria das mães aderiu à nova orientação e os estudos epidemiológicos realizados a seguir demonstraram queda da mortalidade por SMSL de 1,4 a 2,6/1.000 nascidos vivos para 0,5 a 0,8/1.000 nascidos vivos (2,3). A taxa de mortalidade infantil é muito baixa nos países industrializados e até 1995 acreditava-se que 40% dos óbitos ocorridos entre 1 mês e 1 ano de vida (mortalidade infantil tardia) eram decorrentes da SMSL (4).
            Na América Latina não houve interesse em realizar campanhas quanto à posição segura dos lactentes durante o sono. Isto porque é uma região do mundo onde culturalmente as mães utilizam a posição “de lado” para o sono dos bebês, a qual até hoje é considerada uma posição segura – na verdade isto vem sendo questionado em estudos mais recentes. Este hábito cultural faz com que a mortalidade infantil por SMSL na América Latina seja relativamente baixa. Não há estatísticas, mas talvez esteja em torno de 0,5 a 1,0/1.000 nascidos vivos.
            O grande problema na América Latina é a má notificação nas declarações de óbito (DO) quando ocorre a SMSL. Os profissionais de saúde não sabem reconhecer a SMSL na nossa região. É um tipo de óbito que ocorre, mas acaba sendo classificado como broncoaspiração, ou morte sem assistência médica, ou morte de causa desconhecida. Quando realizada avaliação em Instituto Médico Legal, quase sempre é classificada como broncoaspiração ou pneumonia, porque também nestas instituições a SMSL é desconhecida.
            No Paraná ocorreram 2.586 óbitos infantis no ano de 2003, para um total de nascidos vivos de 156.997 (taxa de mortalidade infantil = 16,47). Para uma estimativa de 0,8 óbitos por SMSL para cada 1.000 nascidos vivos, podemos inferir que ocorreram aproximadamente 125 óbitos por SMSL no Paraná em 2003. Tradicionalmente não aparecia nas DO nenhum caso de SMSL nos anos anteriores, e os Comitês de Prevenção de Mortalidade infantil no Paraná, que investigam os óbitos infantis desde o ano 2000, não estavam sabendo reconhecer esta causa de óbito. Pela primeira vez, no ano 2003 surgiram vários óbitos registrados na DO com a causa básica de SMSL. Ou seja, alguns médicos no Paraná já estão reconhecendo esta causa de morte. No entanto, os Comitês das Regionais de Saúde, ao investigar estes óbitos, não souberam reconhecê-los e modificaram para outras causas básicas. Isto deixou bastante clara a necessidade de divulgação aos membros destes comitês a maneira de reconhecer a Síndrome da Morte Súbita do Lactente.

SAIBA RECONHECER A SÍNDROME DA MORTE SÚBITA DO LACTENTE:
1.      Definição: SMSL é a morte súbita e inesperada, durante o sono, de criança com menos de 1 ano de idade, em que a história clínica, o exame físico, a necropsia e o exame do local do óbito não demonstram a causa específica do mesmo (5).
2.      Como é feito o diagnóstico: o diagnóstico é feito pela história e por exclusão de outras prováveis causas, através de cuidadoso exame pós-óbito. A necropsia deve ser realizada por patologista pediátrico e deve seguir o protocolo recomendado pela SIDS Internacional (5). A finalidade de uma investigação tão minuciosa seria a de descartar outras causas de morte súbita em lactentes, tais como: congênitas (cardiopatias congênitas, arritmias cardíacas, malformações do sistema nervoso central, erros inatos o metabolismo); adquiridas (traumatismo por maus tratos e homicídio ou filicídio, traumatismo acidental, infecções do tipo sepse, meningite e pneumonia). Na exclusão destas causas, resta a morte inexplicada, que é a SMSL.
Obs. Não existem patologistas pediátricos no Brasil. Caso existam alguns, não seriam suficientes para participar da investigação da SMSL nem sequer em um décimo do território brasileiro. Portanto, devemos contar com a sensibilidade do Instituto Médico Legal, nas regiões que o possuem, de saber reconhecer e descartar estes problemas do melhor modo possível e declarar na DO a SMSL quando ela for bastante provável. No caso de regiões sem médicos legistas, devemos contar com o médico que recebe o lactente em óbito e sua habilidade em investigar a causa deste óbito e declarar a SMSL quando esta for provável. Epidemiologicamente, pode-se prever que a grande maioria (90%) dos óbitos nessas circunstâncias se referem à SMSL.

FATORES DE RISCO PARA A SÍNDROME DA MORTE SÚBITA DO LACTENTE

Idade: é rara abaixo de 1 mês. O maior risco é entre 2 e 5 meses.
Sexo: predomina em meninos (60% dos casos).
Racial: 1,5 a 2 vezes mais incidente entre índios e negros do que na raça branca.
Tipo de aleitamento: a incidência é igual entre lactentes com leite materno ou com mamadeira.
Mãe e bebê compartilhando o mesmo leito: não há indícios de que aumenta a SMSL. No entanto, há o risco de asfixia por compressão do tórax ou face, ou de esmagamento (isto não é SMSL mas a primeira descrição na literatura está na bíblia – 1 Reis 3: 19,22).
Posição do sono: é 2 a 9 vezes mais incidente entre lactentes que dormem em posição prona (de barriga para baixo) do que em posição supina (de barriga para cima). Hoje há indícios até mesmo de que a posição “de lado”, popular na América Latina é menos segura do que a posição supina.
Prematuridade e baixo peso de nascimento: 3,5 vezes mais chance quando o peso de nascimento é abaixo de 1.500g e 2,5 vezes mais chance quando entre 1.500 e 2.500g (6).
Tabagismo materno: incidência 3 vezes maior (7) – o risco para o tabagismo durante a gravidez e após o parto é o mesmo, ou seja, persiste igual mesmo quando a mãe pára de fumar após o nascimento do bebê..
Irmãos: quando ocorre a SMSL em uma família, os futuros irmãos têm chance 3 a 5 vezes maior de repetir a SMSL, quando comparados à população geral. O simples fato de não ser o primogênito e ter irmãos mais velhos, significa um risco um pouco maior de SMSL.
Episódios de aparente risco de vida: lactentes que já deram grande susto em seus pais com ocorrência súbita e inexplicada de perda de consciência, apnéia, hipotonia, hipertonia, cianose ou palidez (episódios de aparente risco de vida), e foram levados à emergência, têm 4 a 5 vezes mais chance de SMSL segundo algumas fontes, mas na verdade não há comprovação consistente a respeito disto.
Mães adolescentes ou solteiras: há indícios estatísticos de que a SMSL é mais incidente nessas situações (3,7).

PREVENÇÃO:

            É importante que os profissionais de saúde, trabalhando com suas comunidades, saibam orientar a prevenção da SMSL. Diante dos fatores de risco expostos acima, e outros conhecimentos referentes aos cuidados com os bebês, as seguintes recomendações são bastante procedentes:
A – combate ao tabagismo: manter o fumo distante do contato de gestantes e de lactentes no primeiro ano de vida.
B – os lactentes nos primeiros meses de vida jamais devem ser colocados para dormir em posição prona (de barriga para baixo). Se for difícil convencer a comunidade de que a posição mais segura é a posição supina (de barriga para cima), então é melhor manter a cultura de utilizar a posição “de lado”.
C – a cabeça do bebê deve ficar descoberta durante o sono, para evitar a respiração de maior taxa de CO2.
D – utilizar colchão com tecido de fibra mais resistente e evitar travesseiros fofos e altos, para que o bebê não enrosque a face e sofra asfixia.
E – evitar que os pais durmam no mesmo leito com o bebê, para que não ocorra sufocação e esmagamento.
F – agasalhar o bebê de modo adequado, evitando a hipertermia ou a hipotermia.
G – os demais fatores de risco, tais como, sexo masculino, não ser o primeiro filho, raça indígena ou negra, mãe solteira, mãe adolescente, não justificam a aplicação de qualquer alerta neurotizante para os pais, pois são fatores bio-sociais naturais, muito prevalentes e inerentes à condição humana. O raciocínio é de que por mais que nessas condições a chance de SMSL seja o dobro ou um pouco menos que isso, ainda assim fica em torno de 1/1000 nascidos vivos.
H – Em outras 3 situações biológicas de risco é inevitável que os pais estejam em constante estado de alerta, devido às experiências sofridas: famílias com história de um filho anterior que sofreu a SMSL; lactentes de risco nascidos prematuros e de baixo peso; lactentes que sofreram episódios de aparente risco de vida (apnéias, síncopes, cianose ou palidez súbita, episódios de hipertonia ou hipotonia). São pais que passam a noite em vigília, zelando para que nada ocorra com seus filhos.

            O Comitê Estadual de Prevenção de Mortalidade Infantil (CEPMI) deseja que todos os profissionais médicos do Paraná saibam reconhecer a SMSL, e que passem a colocar na DO este diagnóstico quando esta causa de óbito parecer provável. Do mesmo modo, os Comitês Regionais e Municipais de Prevenção de Mortalidade Infantil devem estar preparados para reconhecer a SMSL ao realizar a investigação dos óbitos infantis tardios, e ficam autorizados a oficializar este diagnóstico quando ele parecer provável, mesmo nos óbitos em que o médico que assinou a DO não o tenha reconhecido. Esta trágica causa de óbito infantil é um problema de saúde pública no mundo todo. O CEPMI sugere que seja classificado como óbito dificilmente evitável (GRUPO ***). Esta mudança de conduta coletiva dos profissionais de saúde permitirá que possamos conhecer nos próximos anos o real impacto epidemiológico deste evento trágico no nosso estado.

           
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1.      Guntheroth WG, Spiers PS. Sleeping prone and the risk of sudden infant death syndrome. JAMA 1992; 267: 2359-62.
2.      Brouillette RT & Nixon G. Risk factors for SIDS as targets for public health campaigns. J. Pediatr. 2001; 139: 759-61.
3.      Paris, CA, Remler R, Daling J. Risk factors for sudden infant death syndrome: changes associated with sleep position recommendations. J Pediatr. 2001; 139: 771-7.
4.      Willinger M. SIDS prevention. Pediatr Ann. 1995; 24: 358-64.
5.      Fitzgerald K, Nunes ML. Síndrome da morte súbita do lactente (SMSL): um exemplo de intervenção efetiva (nosso objetivo: diminuir ainda mais a mortalidade neonatal reduzindo os óbitos por SMSL). J Pediatr (Rio J.). 1998; 74: 423-4.
6.      Mallory MH & Hoffman HJ. Prematurity, sudden infant death syndrome, and age of death. Pediatrics. 1995; 96: 464-70.
7.      Wisborg K, Kesmodel U, Henriksen TB, Olsen SF, Secher NJ. A prospective study of smoking during pregnancy and SIDS. Arch Dis Child. 2000; 83; 203-6.

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